Sannyasi Gangadhara Saraswati
A palavra Yoga é um termo do gênero masculino, derivado da raiz sânscrita Yug, que significa unir e pode ter ainda várias conotações, tais como: união, conjunção de estrelas, equipamento, recursos, mágica, soma, etc. Em sentido específico, Yoga se refere a um enorme corpo de preceitos e técnicas de autoconhecimento, que se desenvolveu como parte de uma civilização com características filosóficas, artísticas e sociais associadas aos conceitos do Tantra e originária na Índia há mais de 10.000 anos atrás.
Em escavações arqueológicas feitas no Vale do Indo1, nas cidades de Mohenjo Daro e Harappa, foram encontrados muitos sinetes contendo descrições simbólicas de deidades míticas, realizando vários Asanas (posições psicofísicas do Yoga) e principalmente em posições de meditação. Essas ruínas pertenciam a comunidades que se desenvolveram antes do período de composição dos Vedas2 e antes de concepções de cunho filosófico Arya3 começarem a florescer no subcontinente indiano. Representações simbólicas como essas da Civilização do Vale Indo também estão presentes em civilizações da antiguidade Americana e Africana e testemunham o Yoga como uma prática universal.
Conforme Henriques4, “concebemos o Yoga como um pensamento válido mesmo para o homem ocidental contemporâneo, pois a verdade não tem pátria, cor, ideologia ou tempo”.
Segundo Swami Satyananda Saraswati5, “De acordo com a tradição mítica Shiva é considerado o fundador do Yoga e Parvati sua primeira discípula. Shiva é o símbolo da corporificação da Suprema Consciência, Parvati representa o conhecimento, desejo e ação e é responsável por toda a criação. Ela também é conhecida como Kundalini6 Shakti, a força cósmica que dorme em todos os Seres. Parvati é vista como a mãe criadora de todo universo. A alma individual (Jiva) é personificada no mundo sob uma forma e um nome por influência da Shakti, mas também é liberada desse mundo e unida com a Consciência Suprema através da graça da Shakti. Por intenso amor e compaixão por suas crianças, a grande Mãe da existência esparge o conhecimento secreto da libertação, na forma do Tantra. As técnicas do Yoga têm sua fonte no Tantra e os dois não podem ser separados, como a consciência, Shiva, não pode ser separada da energia, Shakti”.
Yoga também pode ser um nome genérico para os vários caminhos indianos de “unificação” ou transformação da mente. Costuma-se também usar o termo para denotar o objetivo do Yoga: a compreensão da Realidade Transcendente. No contexto de preceitos e técnicas espirituais a palavra Yoga significa Unidade.
1 Ver: PIGGOT, S. Arqueologia de la Índia Prehistórica. México: Fondo de Cultura Econômica, 1966.
2 Escrituras filosóficas e religiosas da Índia antiga, codificadas a partir de aproximadamente 6.000 AC.
3 Pensamento e comportamento cultural voltado a uma definição hierarquica baseada em sistemas de estratificação social. Supremacia no pensamento filosófico e literário de elementos simbólicos de cunho patriarcal , associados à nobreza, organização militar e religioso.
6 HENRIQUES Antônio Renato. Yoga e Consciência. Porto Alegre: Editora Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1984, p.21.
5 SARASWATI, S. Satyananda.Asana, Pranayama, Mudra Bandha. Índia: Bihar Yoga Bharati.1997,p.3
6 Nome da “serpente ígnea” representada na fisiologia sutil do Yoga como uma imensa potência energética adormecida na base da coluna e quando desperta, ascende pelo canal sutil da coluna vertebral ativando os centros energéticos e levando a consciência do indivíduo a níveis cada vez mais universais.
É muito comum nos depararmos com a idéia de Yoga como Unidade com a Realidade Transcendente. Na filosofia do Yoga, a palavra Unidade pode ser compreendida nos mais diversos sentidos (união consigo mesmo, com o outro, com a natureza, com o Absoluto, com a consciência individual e a consciência cósmica ou a união do eu ativo com o Eu Supremo), segundo o momento histórico ou o tipo de Yoga.
Portanto, não podemos generalizar o Yoga apenas como uma Unidade com a Realidade Transcendente uma vez que o próprio Patanjali, codificador de um texto clássico denominado de Yoga Sutra, não define o Yoga como a união com esta Realidade. Cito Patanjali pela sua relevância histórica ao introduzir o Yoga através do Yoga Sutra, como um Darshana (escola filosófica que aceita a tradição dos Vedas) do Hinduísmo entre os séc. II AC. ao séc. IV AC.
O Yoga Sutra de Patanjali é conhecido como o primeiro trabalho codificador de um sistema de Yoga que até então figurava nos Vedas e Upanishads de forma diluída e não sistematizada.O Yoga Sutra de Patanjali é chamado de Raja Yoga ou Ashtanga (oito partes) Yoga por apresentar oito passos definidos para se alcançar à meta do Yoga, ou seja, o Samadhi. São eles: Yama (autocontroles), Nyama (regras estabelecidas), Asana (posturas), Pranayama (controle da respiração), Pratyahara (dissociação da consciência dos estímulos exteriores), Dharana (concentração), Dhyana (Meditação) e Samadhi (identificação com a consciência pura).
Apresentando o significado de Yoga a partir do Yoga Sutra de Patanjali, podemos observar sua pontuação à clássica pergunta: “o que é Yoga?” No segundo versículo do capítulo I, ele responde: Yoga Chitta Vritti Nirodhah, Yoga é o processo de bloquear os padrões da consciência. Segundo Swami Satyananda7 bloqueio aqui não significa supressão, mas a habilidade de deixar fluir os vários fluxos de consciência. Chitta aqui está compreendido como a consciência total do indivíduo, dando surgimento a várias manifestações no campo mental. O bloqueio é nos padrões da consciência e não a própria consciência. E é precisamente o que conquistamos com a prática do Yoga.
Entretanto, com um ponto de vista mais ampliado, Paramahamsa Niranjanananda Saraswati, 8nos diz: “a definição de Yoga nos é dada já a partir do primeiro versículo:
Atha Yoga Anushasan, geralmente traduzido como: Agora se iniciam as instruções sobre Yoga. A palavra Anu significa ‘sutil’ e Shasan significa ‘regrar ou governar’ e Yoga significa Yoga. Sendo assim, em nossa leitura desse primeiro versículo, Atha Yoga Anushasanan se traduz como: Por conseguinte, Yoga é o caminho para se controlar as sutis expressões da própria personalidade. Quando Patanjali é questionado sobre o que ocorre depois de se alcançar o controle das expressões sutis da personalidade, ele responde: Yoga Chitta Vritti Nirodhah. Esse segundo versículo é traduzido como: Se obtém a capacidade de deter ou canalizar as ondas mentais (os Vrittis).”
O Yoga se divide num número bastante grande de correntes que se costuma chamar de “vias do Yoga” (exemplo: Raja, Hatha, Jnana, Karma, Kundalini, Laya, etc.). Essa diversidade possibilita que tipos psicológicos distintos encontrem o Yoga que mais tem haver com sua própria personalidade. Nesse sentindo, não é a pessoa que tem que se adaptar ao Yoga, mas o Yoga é que tem que se adaptar à pessoa.
7 Ver: SARASWATI, S. Satyananda. Os Yoga Sutras de Patanjali. Porto Alegre: Cosmelli Yoga Centres, 2003, p.74.
8 SARASWATI, S. Niranjanananda. Yoga Sadhana Panorama. Munguer, Bihar, Índia: Bihar School of Yoga, 1994, p.5.
Segundo Swami Satyananda9: “O Yoga foi desperto no início da civilização humana, quando o primeiro homem percebeu seu potencial espiritual e começou a elaborar meios para desenvolvê-lo. Sua essência tem sido muitas vezes apresentada através de diferentes símbolos, analogias e linguagens”. Na antiguidade as técnicas do Yoga eram mantidas em segredo e só eram passadas do Guru para o discípulo (Parampara), caracterizando o que conhecemos como Gupta Vidya (conhecimento oral e secreto). A orientação dada pelo Guru afasta do Yoga uma conotação mística em relação às experiências psíquicas, pois presta-lhe o caráter de um método, sistemático e experimental.
Só aquele que experimentou em si mesmo a metodologia do Yoga pode orientar o outro oferecendo um procedimento organizado e seguro.
Em termos práticos, realizar o Yoga é encontrar o equilíbrio e harmonia entre corpo, mente e emoções e isso se dá através de técnicas que trabalham tanto em nossa dimensão mais grosseira, como também em nossas dimensões mais sutis, como por exemplo: as posições psicofísicas trabalham não só nosso corpo, fortalecendo-o e purificando-o como também estabilizam nossas ondas mentais.
2.1 – O Yoga nos dias de hoje
A mentalidade contemporânea se expressa em rápidas mudanças sócio culturais e políticas, derrubando barreiras, ora favorecendo a expressão da subjetividade de um individuo, sociedade ou nação, ora inibindo ou até mesmo aniquilando singularidades que constroem o sujeito enquanto portador de um potencial de transformação, no sentido de tornar-se aquilo que ele verdadeiramente é.
A época em que vivemos, apesar de toda a construção material e tecnológica exige algo a mais do homem, que talvez ele não tenha condições de sustentar. E nesse contexto moderno, o Yoga pode ser também um meio de manter a saúde num cotidiano estressante.
Apesar de na antiguidade o Yoga ter sido experenciado como um caminho de crescimento e evolução espiritual, suas práticas apresentam benefícios terapêuticos mesmo para as pessoas que não estão buscando este caminho. Com os Asanas (os exercícios psicofísicos) as seqüelas físicas de uma sobrecarga de trabalho, comum ao homem contemporâneo, podem ser amenizadas. Técnicas de Relaxamento podem ajudar reduzir o stress produzido pela falta de tempo e da hiper-estimulação do sistema nervoso. Terapia física e mental é uma das grandes contribuições do Yoga para o homem de hoje. Vivenciando o estado de atenção plena através do Yoga, gradativamente tomamos consciência da intríseca relação corpo-mente-espírito. Para ele o homem tem um corpo, emoções e um aparato psíquico que estão em constante interação.
A globalização trouxe a informação e a comunicação, mas trouxe também uma carência de sentido. Nesses tempos em que se identifica um homem pelas marcas estereotipadas e exigidas dentro de um padrão, apenas suas conquistas interiores podem o identificar com ele mesmo. E o momento atual, com sua impermanência e mutações constantes, exige uma reorganização psíquica-emocional do homem. Nesse sentido o Yoga também vem sendo muito solicitado. Ele proporciona um meio para pessoas encontrarem seu próprio caminho e interagirem com o verdadeiro Ser.
9 SARASWATI, S. Satyananda.Asana, Pranayama,Mudra Bandha. Índia: Bihar Yoga Bharati.1997,p.3
Por tudo já exposto, o Yoga possue uma maleabilidade espantosa. Tanto pode ser um apoio para estabelecer um caminho capaz de lidar com as realidades interna ou externa, quanto pode apenas relaxar um corpo cansado. Cada um escolhe até onde quer ir. No entanto, seja qual for a escolha, essa é uma opção que não pode ser entendida intelectualmente e só pode ser realizada através da experiência direta. Portanto, vamos à prática?